
Governo e oposição entraram em novo embate público, nesta quinta-feira, após uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o preço dos alimentos. O chefe do Executivo pregou que a população deixe de comprar produtos que estejam muito caros. A alta generalizada, no entanto, atinge itens essenciais, como carnes, frutas, arroz e leite. A inflação dos alimentos provoca temor no governo, que estuda formas de incentivar a produção, mas não sinaliza medidas de curto prazo.
"Uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo. Se você vai a um supermercado e desconfia que tal produto está caro, não compra. Se todo mundo tiver essa consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter de baixar para vender, porque senão vai estragar", ressaltou Lula, em entrevista a rádios da Bahia, nesta quinta-feira. "Esse é um processo que a gente não precisa falar, porque isso é da sabedoria do ser humano", acrescentou.
Segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a cesta básica ficou 14,22% mais cara ao longo do ano ado. O grupo é composto por itens considerados essenciais para a alimentação das famílias. O café torrado, por exemplo, subiu 39,6%. O óleo de soja, 29,22%; o leite longa vida, 18,83%; e o arroz, 8,24%. A elevação é atribuída, principalmente, aos eventos climáticos extremos que afetaram o país no fim de 2023 e início de 2024, prejudicando a safra.
Lula também atribuiu a alta dos alimentos à desvalorização do real frente ao dólar, e culpou a gestão de Roberto Campos Neto no Banco Central. "Tivemos um aumento do dólar, porque nós tivemos um Banco Central totalmente irresponsável, que deixou uma arapuca que a gente não pode desmontar de uma hora para outra", destacou. "Eu disse outro dia que a gente não pode dar um cavalo de pau em um navio do tamanho do Brasil. É preciso que a gente tenha juízo, faça as coisas com cuidado, porque um cavalo de pau num mar revolto, a gente pode tombar o navio."
O chefe do Executivo reiterou que fará reuniões com os setores produtivos e industriais e com ministros para buscar soluções para a situação. De acordo com ele, encontros com produtores de carne e de arroz já estão marcados para a próxima semana.
Reações
Em resposta à declaração do presidente, parlamentares de oposição dispararam contra o governo. "Lula agora quer culpar os empresários e jogar a responsabilidade para o povo de baixar o preço dos produtos. Então, para que serve o governo?", questionou o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), em vídeo publicado nas redes sociais. "Se tudo está mais caro, a solução é simplesmente você não gastar o seu dinheiro", acrescentou.
Já o senador Sergio Moro (União-PR) ironizou: "Segundo Lula, basta a população não comprar produto caro que a inflação será reduzida! Sinal de que o governo perdeu o controle e não sabe o que fazer mais. A promessa de campanha não era de picanha e cerveja barata para todo mundo?".
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) também reagiu: "Quem não se indignar com mais essa fala absurda precisa urgentemente de tratamento".
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Em contrapartida, aliados do Planalto saíram em defesa de Lula. Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), a gestão está focada em "manter a inflação baixa" e reduzir o preço dos alimentos na mesa. "Com diálogo e ação, a prioridade é reduzir o preço da carne e de outros produtos essenciais da cesta básica. Lula reafirma: comida boa e barata na mesa de todos", disse o deputado.
O senador Humberto Costa (PT-SP) citou que há aumento real do salário mínimo e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima do esperado, para ilustrar que a economia está indo bem. "Quem trabalha pelo Brasil entrega bons resultados. Golpista preguiçoso só vive de caos e bravata", sustentou.
Não é a primeira vez que falas do governo sobre o assunto provocam controvérsia. Duas semanas atrás, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou que a gestão federal vai reduzir a alíquota de importação de itens que estiverem mais baratos no exterior do que em solo nacional. "Em alguns casos, o preço internacional está tão caro quanto aqui. O que se pode fazer? Mudar a fruta que a gente vai consumir. Em vez da laranja, outra fruta. Não adianta baixar a alíquota, porque não tem produto lá fora para colocar aqui dentro", disse, na ocasião.
Em outubro, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, mencionou que a regra da oferta e da demanda é que regula os preços. "Isso é um processo para a sociedade, inclusive, refletir. Muitas vezes, a imprensa diz 'olha, tal coisa está cara, substitui por outra'. Alface está cara? Substitui por chicória, para citar um exemplo", afirmou.
Especialistas criticam
Especialistas ouvidos pelo Correio avaliaram como negativa a fala do presidente. Para Leandro Consentino, cientista político do Insper, a declaração foi "extremamente problemática", pois "terceiriza a responsabilidade da escalada inflacionária para o próprio consumidor, e não para o governo". A menção ao Banco Central também seria uma forma de "responsabilizar" um terceiro, segundo Consentino.
André Braz, economista da FGV e especialista em inflação, pontuou que o aumento no preço dos alimentos não é de agora, e que, entre 2020 e 2024, a inflação desse produtos subiu cerca de 55%, e a inflação média, 30%. A solução, de acordo com ele, está a longo prazo, com investimento em silos para guardar alimentos fora de safra e nos transportes fluvial e ferroviário.
"O conselho que ele deu não é descabido. Trocar alimentos caros por baratos é uma substituição que o consumidor faz naturalmente. Mas a gente espera um comprometimento maior do governo", frisou. "Não que a gente espere a solução do problema, porque não se resolve isso da noite para o dia, mas é possível criar um conjunto de políticas que, gradualmente, consiga nos blindar e nos proteger mais", opinou.
Para o professor de ciência política da UDF André Rosa, apesar de a fala fazer sentido do ponto de vista econômico — com a oferta e a demanda afetando o preço dos produtos —, foi "um prato cheio" para a oposição. Sinaliza uma fragilidade, ao não apresentar soluções, conforme avaliou. "Do ponto de vista da comunicação, de como a opinião pública recebe esse tipo de informação, a um cheque de descontrole do governo, da própria incompetência do governo federal de conseguir gerir a questão da inflação, que é o que tem corroído muito o poder de compra do brasileiro", destacou.